Minha orientadora me emprestou uma série de livros com temas relevantes para o meu TCC. Um deles chama-se “Breve História do corpo e de seus monstros“, de autoria de Ieda Tucherman. O exemplar da professora foi por ela mesmo definido como “meio desmontado”: está completamente sublinhado, desenhado, MUITO BEM usado. E ainda contém uma dedicatória da autora. Como eu tenho esse mesmo costume de USAR BEM meus livros, preferi encomendar meu exemplar para não estragar o dela. Mas enquanto ele não chega, leio o emprestado mesmo e me aproveito das anotações feitas por outras pessoas. As minhas ficam em post-it. Um trecho:
“Quem somos nós, humanos? Já as novas tecnologias biomédicas, as novas teorias de neurofisiologia cerebral, a profusão de próteses conectáveis ou implantáveis com as quais nos hibridizamos, as clonagens e as experiências que superaram as determinações da espécie e só fazem pôr em questão as mais antigas noções de humanidade e as nossas determinações mais radicais: a saber, mortalidade, singularidade e sexualidade.
Em relação à mortalidade, a nossa finitude constitutiva da experiência da Modernidade, cuja elaboração podemos reconhecer nas questões kantianas a partir da radicalidade do limite como nosso próprio corpo: o que posso conhecer? O que posso desejar? O que posso esperar? Parece estar sob suspeição. Assim como as intervenções protéticas e o processo de duplicação tornam possível o adiamento ou a superação da mortalidade, à condição que o homem perca suas pretensas características de ser natural, portador de singularidades próprias, pois para postular-se como imortal é possível que o homem seja “em seu próprio corpo”, puro artefacto, as questões que nos constituíam tornam-se anacrónicas ou obsoletas. Talvez não estejamos totalmente preparados, mas é sem dúvida preciso conceber as novas questões que se fazem necessárias. Entre elas, talvez a mais significativa seja: o que é ser um corpo? ou O que é ter um corpo? Que possibilidades hoje nos são abertas e que experiências nos são possíveis?
Quanto à singularidade, ela relacionava-se imediatamente com a experiência de finitude, de corpo e modo de ser próprios. E o processo de globalização, que configura o que chamamos de sociedade de controle, parece ter como premissa lógica para o seu funcionamento a nossa des-singularização. Somos agora senhas, que falam do nosso lugar no sistema, que é o que interessa para a operacionalidade do mundo que tem como alma a empresa, como somos conexões no regime da cibercultura. “Eu sou na medida das minhas conexões” parece ser o que hoje define a nossa subjectividade, assim como o nosso corpo.
No que se refere à nossa sexualidade, nós orgulhamo-nos do movimento político que nos permitiu destacá-la da reprodução, a nossa tão festejada revolução sexual que afirmava em nós a liberdade de seres de desejo. Mas não estávamos, parece, preparados para não sermos mais responsáveis pela vida e pela continuidade da espécie. Tudo parece supor que a ordem mundial na sua mais intensa radicalidade não depende mais do homem, condenado então a ‘funções inúteis’.”
Lembrei-me de que um ensaio sobre Leonardo Da Vinci fala sobre a forma e a função do corpo. Fui buscar e achei o trecho (p. 84):
“Embora o engenho humano conceba invenções diversificadas, que correspondem, por meio de várias máquinas, ao mesmo fim, nunca descobrirá invenções mais belas, mais apropriadas ou mais diretas que a natureza, porque no que ela inventa nada há que falte ou que seja supérfluo”
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Ainda falando sobre isso, mas não muito, ganhei recentemente a “Enciclopédia dos Monstros“. Adorei! A capa é meio juvenil demais, é verdade. Preferia uma capa preta, com letras prateadas e só. Acho mais clássico. Mas isso não é um defeito do presente, e sim da publicação. No mais, fotos, muitas fotos, a evolução da idéia de monstro, e as histórias de vida (?) de seres conhecidos na literatura, no cinema, nas HQs, na natureza. Há páginas também sobre os circos e espetáculos itinerantes que entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX atraiam a curiosidade mórbida do público expondo pessoas com deformidades congênitas. Os monstros folclóricos brasileiros também aparecem: Boitatá, Curupira, Saci-pererê. Em alguns há mais de humano do que de monstro. Frankenstein me adoraria por dizer isso, eu sei. Mas sobre isso também posso citar o Edward Mãos-de-Tesoura (categoria bonzinhos), e o ET (categoria Monstros Infantis). Melhor presente!
:)