Chegou e acenou de longe ao diabo. O lazarento nem era tão feio quanto descreviam. Vermelho, muito menos. O tridente já descascava na decadência. Virado em ossos, descarnado, o bicho acenou de volta e seguiu em frente.
Para mim, era só mais um dia de trabalho aos renegados.
Se ao menos uma alma desvairada dali merecesse perdão, mas não. Ali ninguém merece perdão. Eu dava-lhes uma oportunidade única de voltar à terra da misericórdia. E a cada chance oferecida recebia uma recusa pronta. A libertinagem e a alegria descomprometida do inferno sempre foram mais atrativas àqueles que as provaram.
O diabo aproximou-se do cristão, sentou-se ao seu lado e com voz rouca puxou papo:
É melhor reinar no inferno do que servir no paraíso, meu bom homem. Pensou na minha proposta?
Tinha ali atendimento psicológico?
Não. Mas e no inferno por acaso agora se oferece atendimento psicológico? Estás louco? Ser petulante. Minha terra é de ninguém, e por isso mesmo é minha. Nela se faz o que quer sem contar nem medir. Solidão aqui não existe. Não se vive sozinho no inferno. Isso é coisa daqueles que muito pensam e pouco fazem. Odeio existencialistas. Acham que sabem tudo. Apronta tuas palavras e dá-me tua alma de bom grado. Meu tempo é curto.
Sem sarcasmos, que não estou aqui a passeio, Lucifer.
Insistente na tarefa, o sujeito levanta-se, sem dar ouvidos à criatura que lhe cobra resposta e segue virtuoso. De tempos em tempos, ainda pisa em terras carrancudas para tentar resgatar as almas que ali se perdem pelo caminho.